O garoto
estava sentado no banco
de trás do veículo,
olhando para cima, mas parecia flutuar à frente de tudo aquilo; admirado com a
sensação de primeira vez que se apoderava
dele ao mergulhar naquele momento indescritível.
Deliciava-se.
A claridade
daquele dia especialmente belo repetia em suas retinas as mesmas formas refletidas no vidro da janela do carro. E o resultado de toda aquela radiante maravilha, em suas variadas dimensões, era logo retido na alma do menino, explodindo
em uníssono com as batidas de seu
coração.
Um
retumbante brado, transformado em pulsação...
Era um garoto franzino, dono de um sorriso tranquilo. Mas, suas traquinas
meninas, dotadas de um brilho tão intenso que pareciam
querer competir com o esplendor
do astro que
a tudo ali iluminava e coloria...
Estava alegre, o menino.
Alegre como o sol. Alegre como uma criança ao acordar e ver que seu melhor sonho estava acontecendo de verdade; na realidade. Estava acordado; não estava
dormindo. Não estava...
Estava vivo.
O carro seguindo
pela avenida da praia... Ele mimeografando os coqueiros, a areia, o intenso azul do mar e, lá no fundo, o horizonte. O horizonte inimaginável estava ali. Bem ali, ao alcance de seus olhos. Atingia,
portanto, neste instante,
o inatingível ponto.
O dia estava lindo...
Perfeito.
E não era só isso. Tinha mais do que a natureza e suas belezas infinitamente belas... Tinha as pessoas. Motoristas, famílias, crianças, velhinhos... Primeiro nos carros ao lado, depois os pedestres,
transeuntes, pessoas no calçadão,
pessoas correndo,
pessoas de bicicleta; pessoas, pessoas, pessoas...
Gente.
E... Ele ali. Junto. Junto da gente. Uma paz muito grande
dentro daquele automóvel. Família
completa. Pai, mãe, irmã...
Todos ali. Completamente novos. Completamente família, embora ainda
não familiarizados com tanta alegria.
Renovados.
O sol forte
reluzia sobre a pele ávida e ainda fria do menino, após quarenta dias aprisionado naquela escola. Quarenta
dias sem poder sair daquele prédio; de uma sala à outra sendo a maior distância percorrida, desde o resultado da primeira prova.
Quarentena.
Os primeiros exames foram um baque e tanto. Fora pego de surpresa,
o menino. Assim como sua família, amigos, colegas... As chances de passar eram remotas. Muito
remotas.
E foi então que o curso intensivo teve início.
Não fazia ideia, o menino.
A menor ideia do quão séria era a sua situação. Talvez não houvesse
nem chance de recuperação. Momentos muito difíceis
seriam necessários. O desgaste
seria intenso; proporcional à sua
resistência física e mental.
Quando a médica lhe disse a longa
frase, já com as três versões do exame na mão, foi trazendo
todas as palavras para frente do ponto em questão. Todas as longas horas de espera,
as horas na antessala
daquela emergência, foram então explicadas.
Tudo
fora refeito.
Por isso as horas...
E a longa frase que ainda lhe apresentaria vários personagens novos, de futura convivência diária. A sentença
proferindo-se e alongando-se na mesma proporção que a certeza
de que haveria
realmente algo de errado
no final.
Algo errado
com o menino.
Leucócitos, monócitos, hematócritos, hieróglifos... Todos trazidos para frente daquele singelo par. Um “L” e um “A”.
E lá estava a resposta.
Aquela era a sigla cujo significado
a tudo tanto complicava...
Mas tinha cura.
E, como um mantra, a verdadeira notícia contida naquela frase, antes mesmo de seu término, ia sendo mentalmente repetida pelo
menino.
Tem cura...
Ecoando por todas as partes
do interior daquela
sala de emergência, a poderosa
palavra jorrava como sangue nas paredes, transformando-se então em esperança. A fé escrita em sangue.
No sangue do menino.
Não havia mais volta. Nem muitas opções também.
E, mesmo agora, saindo pela primeira vez de sua “escola”, encarando o horizonte estendido sobre o azul do mar daquele dia todo especial,
o futuro era incerto.
Mas ele já era outro. E já sabia também a quem
o futuro pertencia.
Ele
era o agora.
Ele era o menino improvável de ontem;
o impossível de antes. O talvez,
quem sabe, amanhã... Ele era o hoje.
E hoje estava um dia lindo...