sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Oito de Copas

por Ricardo Gnecco Falco 

Ernesto suava sem parar diante da churrasqueira...

Estava com a turma da faculdade em uma espécie de confraternização de fim de período.  O sítio do colega anfitrião ficava ao lado de uma enorme pedreira e, além do calor absorvido pela gigantesca montanha de pedra durante todo aquele dia, somado ao bafo oriundo das brasas sobre as quais eram assadas as carnes, havia ainda o abrasivo efeito da meia dúzia de caipirinhas que já tinha tomado.

Tudo isso, no final daquela típica tarde de verão, fazia Ernesto sentir-se realmente desconfortável. Mas, mesmo consciente de todas estas variantes, o rapaz sabia a verdadeira origem das infindáveis gotas que brotavam por toda a extensão de seu corpo; uma infinita nascente viva...

Ernesto tinha um pronunciamento a fazer.

Iria abandonar o curso de engenharia que já estava em reta final para, surpreendentemente, mudar de forma radical sua futura carreira. Ernesto queria graduar-se na área de humanas. Na verdade, já havia até feito a prova para ingressar na nova faculdade. Sentia uma incontrolável vontade de entender o comportamento das pessoas.

Psicologia...

E abriu para todos ali que a decisão tomada devia-se ao ocorrido naquele mesmo sítio; na mesma mesa de madeira que agora servia de base para os incrédulos olhares de seus amigos, que lhe fitavam num silêncio típico de quando se conhece a imutabilidade de um fato concreto.

Concretamente absortos.

Também fora ali, naquela mesa, após algumas latinhas sorvidas numa noite quente do verão passado, que Ernesto experimentara pela primeira vez a estranha sensação que tentava agora, um ano após, definir em palavras para seus amigos...

Onisciência.

Foi a única palavra encontrada. Assim como apenas um fora o número visualizado em sua mente; na forma de uma curiosa sombra a projetar-se sobre a fina parede de plástico que tinha à frente. Jogavam baralho naquela mesma mesa incrédula de agora, na qual outrora Ernesto, inacreditavelmente, concebera a imagem do número pintado do outro lado da carta.

Era um oito; escuro.

De paus ou espadas... Um oito negro. A carta estava apoiada de lado sobre a mesa, segura pelas mãos de uma colega de turma; hoje ausente. Mais do que ver, Ernesto, inexplicavelmente, “pré” sentira o que existia do outro lado daquela matéria...

Um oito de espadas.

Pensara tratar-se de algum estranho efeito etílico. Mas já no dia seguinte, durante o café da manhã, a ressaca apresentar-se-ia ainda mais poderosa, fazendo Ernesto passar toda a primeira metade daquele revelador domingo sentado sozinho diante da piscina, numa cadeira na varanda, brincando de embaralhar aquelas bizarras cartas esquecidas no canto da cozinha.

Todas transparentes...

E das cartas passara então a intuir os números discados nos telefones celulares dos amigos, mesmo quando virados de costas para ele. Visualizava os algarismos no mesmo ritmo de pensamento dos autores das discagens.

Já lhe surgiam de forma quase natural.

Sua brincadeira predileta tornara-se a adivinhação. Mandava os amigos, familiares, a futura noiva... Cada um sentar-se diante dele e, concentrando-se, pedia para pensarem em um número. Qualquer número...

Ernesto adivinhava.

No início, ainda restavam algumas dúvidas. Mas, seus amigos mais próximos, e principalmente sua noiva, acabaram aceitando aquele instigante fato. Ele acertava mesmo... Vez ou outra tentavam encontrar alguma falha, algum “defeito”. Sem prévio aviso, mostravam-lhe nas ruas carros desconhecidos, de ângulos pré-determinados; qualquer carro...

Ele falava os números da placa.

O jogo na televisão começava e era só o placar aparecer zerado pela primeira vez no canto da tela; qualquer jogo...

Ele predizia o saldo de gols da partida.

Rápida e faceira, Raquel — a noiva — apareceu certa ocasião com um canhoto de loteria vazio. Deixou-o, como quem não quisesse nada, em cima da mesinha de cabeceira do quarto de Ernesto, após uma intensa, voluptuosa e atípica noite de sexo.

Raquel estava com um sorriso misterioso...

Mas foi somente naquele momento, contando para os amigos sobre o histórico que o levara à decisão há pouco anunciada, que Ernesto atentou-se para o significado do primeiro número adivinhado naquela mesma mesa, um ano atrás. O primeiro presságio...

Um explícito agouro.

Um oito, invertido e negro. Tenebrosa alegoria. Genuíno símbolo de infinito. Infinitamente sombrio. Uma enfadonha profecia sobre seu futuro e inglório relacionamento com Raquel, colega de turma que empunhava aquela carta e por quem era apaixonado, desde o primeiro período. O representativo fiel de seu trágico noivado...

Oito de espadas.

Raquel por fim confirmaria aquele prognóstico, revelando sua verdadeira face. E frieza. Com oito dígitos na conta, fugiu não se sabe até hoje para onde com um ex-namorado, do tempo do colégio. Deixou para trás apenas uma negra espada fincada no coração atormentado de Ernesto, que nunca mais se utilizou do dom recebido.

Sina.

Ernesto agora buscava conhecer a essência humana. A beleza da alma. A mansidão. O atrativo e seguro caminho das virtudes. O ser antes do ter. A imensidade e onipotência do Amor. Ilimitável; eterno. Sim... Ainda procurava o infinito.

O que Ernesto queria mesmo era encontrar um oito de Copas.


* * *


sábado, 7 de novembro de 2009

ENTREVISTA



A Câmara Brasileira dos Jovens Escritores (CBJE), editora que vem há anos reuindo em suas antologias (agora mensais) uma parcela significativa da produção literária dos novos autores nacionais (e onde foram publicados todos os meus contos aqui expostos), recentemente fez uma entrevista comigo.

Deixo abaixo o link para a página da editora onde a entrevista com quem vos escreve foi publicada. Quem quiser conferir é só clicar abaixo:


Entrevista com o autor


Grande abraço em todos,


Paz e Bem!