por Ricardo Gnecco Falco
Era mesmo como um fiapo branco.
Curvilíneo, ligando as duas pontas de um infinito negro. Um risco torto de claridade numa lousa insana e triste. Não havia estrelas, fixas ou cadentes. Só a antagonia visceral de um breu sobrecarregado pela luz.
O rosto astuto do céu mirando-me em brilho.
Senti a ameaça em cada poro da pele, arrepiada pela brisa noturna. O ressoar oculto de um deserto sábio e incerto, trazendo-me a única certeza comum aos viventes de toda a Humanidade.
Clara como a Lua.
O despertar de outrora estava lá fora agora, dormindo. Dentro da caixa de madeira repleta de flores restavam apenas os sonhos.
Já em processo de decomposição.
Encarei então, finalmente, o suave sorriso que me chamava; clamava... Sereno.
O gracejo da Lua.
Ri. De verdade. Do fundo de minhas vontades. Sorri com a própria alma, liberta de iniquidade. E, naquele exato instante, revivendo o momento instigante, lembrei-me da frase infante.
A Lua está parecendo um sorriso.
Dita no banco de trás do carro. Instantes antes... O assunto era outro, completamente diferente. Nada a ver. Nada a ver com a Lua. Com a beleza da Lua que só ele via.
E que espalhar queria.
Tudo a ver e ninguém via. Só ele. A frase pairou no interior do veículo como um risco sobre a imensidão mortal, padecendo de atenção. Um pequeno silêncio, reverberando-se antes do eterno calar.
Captada, é claro, primeiramente, por seu sensível radar.
Ecoou na mente de todos ali. Preencheu de silêncio a desconexa correria do dia a dia. Reverteu a agitação mental oriunda dos cosmopolitas estímulos para a transcendental meditação cósmica.
A Lua.
Tanta pressa para percorrer os caminhos e tanta animosidade ao chegar ao fim. Tanto tempo perdido em discursos, em vãs tentativas de firmar-se, para ao final só restar a inércia.
E a impossibilidade da despedida.
Quantas palavras, frases, gestos... Quando, ao cabo, é a silenciosa lembrança dos momentos singelos a ficar.
E o sorriso.
No luar.
* * *