quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

A Conquista

por Ricardo Gnecco Falco

Era engraçado...

Uma pista de dança repleta de gente, numa afamada casa noturna carioca, e ele ali, olhando para cima, para os lados... De vez em quando fixava o olhar em algum ponto da parede; nas geringonças do teto; em algum holofote...

Sei lá onde.

E também não sei se todo mundo reparava nisso. Nisso e em todas as outras coisas que envolviam esse cara. Na verdade, acho que era ele quem me envolvia; ele que me atraía com essa aura de mistério dele. Parecia estar sempre além...

Ele era assim e ponto.

Numa noite dessas, ele simplesmente fechou os olhos e dançou... Dançou por quase meia hora sem abrir os olhos. Nem uma única vez. Tenho certeza disso, pois estava bem na frente dele. Eu já estava naquele estágio de “tenho que descobrir o que é que esse cara tem...”, entende?

Eu tinha que saber por que ele era tão diferente. Por que ele chamava tanto a minha atenção? O que ele ligava em mim, que me deixava totalmente ligada nele...

Era estranho.

O cara podia reparar no parafuso à mostra de uma caixa de som, num canto qualquer da pista, e ficar absorvendo o fato como um colecionador a degustar um vinho, mas era incapaz de perceber que a pessoa em frente ─ bem na frente! ─, não tirava os olhos dele.

Chegava, conversava com os conhecidos, brincava; ria com as amigas ─ como eu as odiava! ─, dançava; esbaldava-se na pista. E eu ali, seguindo-o pela boate toda. Depois ele simplesmente ia embora. Este era outro ponto. Sempre ia embora antes do fim. Tinha disso, também...

Ele nunca ficava até o final.

Esta era outra característica deste ser. Outra particularidade desse verdadeiro emblema que apareceu certa noite na minha vida e que nunca mais me deixou em paz, forçando-me a procurar descobrir tudo que podia sobre ele.

Não que ele fosse um deus grego. Na verdade estava longe disso. Mas, como já disse, ele era diferente. Tinha alguma coisa nele... Alguma coisa especial. Algo que o tornava único.

Alguma coisa que me fez fazer tudo o que fiz.

Eu não ia mais para as outras pistas; passava a noite inteira na que ele gostava de ficar. Sabia os dias que ele costumava aparecer por lá e também os que ele jamais apareceria...

Já sabia quais eram as bandas prediletas dele; os DJ’s que ele mais gostava; os tipos de garotas que chamavam a atenção dele... As festas que ele freqüentava; os malucos que ele conhecia; as camisas que ele mais usava; o carro dele...

Orkut, Fotolog, Myspace, Facebook...

Cada dia era uma descoberta nova; uma outra prova. Um novo e excitante desafio. Eu não me interessava por mais nada. Nada nem ninguém que não tivesse algum tipo de ligação com ele.

E, de certa forma, comecei a cuidar um pouco mais de mim, também. Parei de fumar, pois ele detestava fumaça de cigarro; bebida alcoólica então... Portanto, mantinha-me também sóbria durante toda a noite. Enfim... Descobria e vivenciava as maravilhas escondidas na difícil tarefa de se investigar ─ a fundo! ─ alguém.

Alguém como ele, é claro...

Alguém com o poder de ditar mudanças em meu comportamento que iam além de quando estava em sua presença. Ele influenciava também as minhas escolhas do dia-a-dia.

Eu ainda nem sabia, mas já tinha começado a minha mutação...

Tanto é que, depois de alguns meses, eu fui reparar que não havia ficado com ninguém. Ninguém, mesmo! Quer dizer, eu nem me toquei disso, né... Minhas amigas é que repararam. Logo eu... E confesso que fiquei surpresa ao me dar conta da realidade.

Estava realmente diferente.

Tinha uma amiga minha, a mais doidinha de todas, que não tardou em juntar os fatos. Sabia que eu estava interessada por alguém. Veio com o papo de que eu andava estranha; que estava preocupada comigo... Disse que eu podia contar com ela para o que precisasse. Mas o fato é que eu estava mesmo diferente. Eu agia diferente. Eu via as coisas de forma diferente e, mais cedo ou mais tarde, o motivo disso tudo viria à tona de vez...

Cedo ou tarde, meu segredo seria revelado.

E, como se já não bastasse a situação na qual eu estava, a fulana ainda resolveu me pedir ajuda para chegar num cara que ela estava de olho já há algum tempo. Não preciso nem falar quem era, né...?

O próprio.

Entretanto, foi engraçado no início... Eu vi ali uma situação onde eu poderia, finalmente, resolver um impasse que se estendia muito além de minha compreensão... Parecia inacreditável, mas eu ainda não havia trocado sequer uma simples palavra com ele.

Nem uminha...

E eu tinha certeza que ele não se interessaria por ela, pois já me considerava conhecedora dos gostos dele também. Afinal, eram meses de vigilância intensa... Seria a tão esperada chance de me comunicar com ele. E, nada melhor do que tentar apresentar-lhe uma amiga. Uma pessoa nada a ver... Seria perfeito! Eu ainda sairia por cima.

Mas...

Sim. Eles ficaram. Ficaram já ali, na primeira vez. E eu nem precisei entrar na jogada. A fulaninha foi direta. Rápida e certeira. Não me deu nem tempo de absorver o acontecimento.

O inusitado episódio.

Os dois ali, no sofá do segundo andar, se beijando como se tivessem sede. Muita sede. A ficha não caiu, sabe...? Só mais tarde. E então desabei. Não entendia o porquê daquilo; porque eles haviam ficado... A depressão rolando solta. Consumindo meu sono, minhas vontades... Parei com tudo.

Inclusive com o que havia parado.

Fumava que nem uma louca; comia como uma vaca e me vestia da pior forma possível. Achei-me a pior das criaturas. O ser humano mais rejeitado dentre todos os viventes; e até em morte confesso que pensei.

Parece bobeira; exagero... Mas pensei mesmo em desistir de tudo. Não sei nem como foi que não fiz coisa pior, mas tudo que fazia era visando a minha própria destruição.

Queria desintegrar, sumir, desaparecer da face da terra.

Enfim... Na minha angustiada mente, eu já fantasiava até o casamento deles. Os dois tinham se dado tão bem... E eu sabia que ela estava fazendo tudo aquilo só para me atingir.

E me acertou mesmo em cheio.

Até que numa noite ─ após várias semanas de sofrido isolamento ─, resolvi testemunhar de longe a alegria daquele casal ridículo que não parava de se agarrar no meio da pista. Comecei a beber e a beber mais e mais... Passei tanto da conta que a última coisa que lembro ter feito foi tão vergonhosa que nem tenho coragem de contar... E isso sem falar das coisas que eu fiz e não tenho a mínima lembrança.

Se valeu a pena?

Não sei... Mas faria tudo de novo. Na verdade, quase tudo. Pois, se tivesse escolha; se pudesse realmente decidir entre o que sentir e o que não sentir... Se tivesse algum mísero controle sobre o meu coração...

Eu jamais teria me apaixonado por ele.

Todavia... De tudo o que fiz; tudo o que fiquei sabendo depois sobre aquela fatídica noite... A bebedeira, o escândalo, o mico... Tudo o que aconteceu... O mais importante, o mais marcante... O mais terrível e ao mesmo tempo o mais maravilhoso de tudo...

Foi que eu saí de lá nos braços dele.


* * *



3 comentários:

  1. Que diferente ver um autor escrevendo da perspectiva feminina, rs. Interessante, gostei... E me identifiquei bastante. Tirando a última frase, vivi coisas parecidas, rs.
    Beijos, moço!

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  2. Eu adorei!! E o melhor foi q eu pensei nas figuras.. Nos personagens.. Mt bom.

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    1. Meninas, valeu pela leitura e comentários!
      :O)

      Mululo, tô esperando o seu desenho baseado neste conto até hj! (rs!)

      Abr@x,

      Paz e Bem!

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