domingo, 26 de junho de 2011

O Sorriso da Lua

por Ricardo Gnecco Falco
Era mesmo como um fiapo branco.

Curvilíneo, ligando as duas pontas de um infinito negro. Um risco torto de claridade numa lousa insana e triste. Não havia estrelas, fixas ou cadentes. Só a antagonia visceral de um breu sobrecarregado pela luz.

O rosto astuto do céu mirando-me em brilho.

Senti a ameaça em cada poro da pele, arrepiada pela brisa noturna. O ressoar oculto de um deserto sábio e incerto, trazendo-me a única certeza comum aos viventes de toda a Humanidade.

Clara como a Lua.

O despertar de outrora estava lá fora agora, dormindo. Dentro da caixa de madeira repleta de flores restavam apenas os sonhos.

Já em processo de decomposição.

Encarei então, finalmente, o suave sorriso que me chamava; clamava... Sereno.

O gracejo da Lua.

Ri. De verdade. Do fundo de minhas vontades. Sorri com a própria alma, liberta de iniquidade. E, naquele exato instante, revivendo o momento instigante, lembrei-me da frase infante.

A Lua está parecendo um sorriso.

Dita no banco de trás do carro. Instantes antes... O assunto era outro, completamente diferente. Nada a ver. Nada a ver com a Lua. Com a beleza da Lua que só ele via.

E que espalhar queria.

Tudo a ver e ninguém via. Só ele. A frase pairou no interior do veículo como um risco sobre a imensidão mortal, padecendo de atenção. Um pequeno silêncio, reverberando-se antes do eterno calar.

Captada, é claro, primeiramente, por seu sensível radar.

Ecoou na mente de todos ali. Preencheu de silêncio a desconexa correria do dia a dia. Reverteu a agitação mental oriunda dos cosmopolitas estímulos para a transcendental meditação cósmica.

A Lua.

Tanta pressa para percorrer os caminhos e tanta animosidade ao chegar ao fim. Tanto tempo perdido em discursos, em vãs tentativas de firmar-se, para ao final só restar a inércia.

E a impossibilidade da despedida.

Quantas palavras, frases, gestos... Quando, ao cabo, é a silenciosa lembrança dos momentos singelos a ficar.

E o sorriso.

No luar.


* * *

5 comentários:

  1. Nossa! O seu conto tem o poder de transmitir sensações quase físicas no leitor.
    A brisa fria, o silencio, a voz de uma frase desconexa ecoando dentro do carro!
    Leitura gostosa!

    Acordei mesmo refletindo sobre a suposta imortalidade de alguns momentos e memórias e seu conto foi umainpriração a mais para o tema!

    Muito bom! Pretendo voltar mais vezes!

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  2. Valeu, Monstrinha! (rs!) Obrigado pelo comentário, leitura e visita!
    Volte sempre!
    Abrax,
    Paz e Bem!

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  3. Sinestésico, eufórico, lascivo e de uma escrita primorosa. Gostei de passar por aqui, meus parabéns!

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  4. suave e ritmado... vamos saltitando sobre as palavras até o final... adorei

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